sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

- MIOLO DE PÃO - III -


" Quando Neuzita chegou do colégio foi correndo ao quintal, mas não encontrou o Miolo de Pão. Inúteis ficaram as migalhas em suas mãos sujas de tinta de caneta.
O terreiro pareceu vazio.
- Pato é pra panela.
O pai foi sucinto demais.
Procurou atingir o cais de Cametá, correndo sem parar, porque soubera quem comprou o Miolo de Pão




" Ao avistar o cais, avistou também o barco " Rodrigues Alves ", já fazendo a curva, no meio do rio, à procura da cidade de Belém. Nunca soube se o seu coração queria parar ou pular de dentro do peito. Sentou-se na calçada e ficou a olhar a embarcação, navegando a toda força, cheia de gente, a dizer adeus aos que ficavam. Ao desembarcar no Porto do Sal, além da pasta de serviço, o vendedor-pracista tinha diversas e variadas amostras de tecidos e de plásticos
para acomodar na saída do barco. Tropeçando entre os romeiros com tantos pacotes, descuidou-se do Miolo de Pão, que ficou bastante atrás. Ao voltar-se para apanhar o pato, ele não estava mais ali. Alguém o levara.. Quis abrir a boca para gritar, mas como pisaram em alguns de seus caixotes de amostras, o cometa resolveu continuar a descida, quase espremido, amargando a derrota.
O ladrão já ia muito longe, levando o pato dentro do paneiro, tal qual viera da casa de Edgar. Não satisfeito pela proeza, logo adiante subtraiu uma carteira de outro passageiro, e mais depressa andou. Mas um guarda o flagrou, no segundo roubo.
- Alto lá, bandido!
- Não fiz nada - disse o ladrão, como sempre dizem todos os ladrões.
- Eu vi você bater a carteira do homem.
Estava preso, sentiu o ladrão. Amoleceu.
- Estava com fome, seu guarda...
O guarda tinha cara de mau. Ouvia tudo parado. As pessoas continuavam a passar, porém não prestavam atenção ao fato. O guarda lembrou-se de que era véspera do Círio, e não tinha deixado em casa o pato para o tucupi.
- Vamos dividir, amigo, eu fico com a carteira e dou o pato - propôs o ladrão.
O guarda olhou para um lado e para o outro, como não tivesse ninguém olhando, aceitou.
- Tudo bem, mas desapareça da minha área!
E, ao assim dizer, segurou o paneiro* com o pato. ".


* Paneiro: cesto feito de fibra vegetal, muito comum para embalagem de quase tudo, na região.

Um ótimo finl de semana a todos.
Até a próxima sexta-feira. Abraço,


Clóvis de Guarajuba
ONG Ande & Limpe

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

MIOLO DE PÃO - II -





Depois de várias considerações, certo dia, ao brincar com as formigas que procuravam seguir caminho impedidas pela menina, ela pensou:
- É.
E gritou:
- Miolo de Pão!
Como Miolo de Pão já tinha surrado duas galinhas, diante da crista do galo, que ficou mais vermelha ainda; pisado na porca deitada, que grunhiu simplesmente, empurrado um peru, que só fez glu-glu, foi correndo buscar o que mais gostava na vida. A partir daí, passou a atender realmente por "Miolo de Pão". Quando o pato era muito pequeno, Neuzita apanhara uma bacia grande de alumínio amassada e despejara água até as bordas.
Colocara o valente pato dentro, e ficara muito impressionada porque ele nadava tão bem.  E pensara: " Calcule se ele tivesse professor de natação! "
Hóspede da pensão de dona Liberata, o vendedor pracista p erguntou onde compraria um pato grande e gordo para levar para casa, porque no dia seguinte era véspera do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Como passar um Círio sem comer pato no tucupi? Panelões e panelões de tucupi iam ferver na cidade, com jambu e camarão e o imperdível pato.
Solícita e amiga do bem servir a seus hóspedes, dona Liberata indicou a casa do Edgar, onde tinham os melhores patos da cidade de Cametá.
Depois de discutir o preço, Edgar levou o vendedor até o quintal e mostrou as suas criações.
- Aquele ali ! - apontou - Que pato bonito e grande !
- Menos ele - disse Edgar.
- Por que? Vai comer você mesmo?
- Não. É cria da casa.
- Dobro o preço!
Edgar pensou mais de uma vez, fez contas nos dedos e, por fim, disse:
- Não posso vender.
- Além de dobrar o preço, ainda dou o dinheiro da branquinha por fora.
- Vou ouvir minha mulher.
O que se passou lá dentro ninguém soube além dos dois. Longa conversa, a princípio baixa. O vendedor- pracista só ouviu a última frase da Maria das Dores para Edgar:
- Você decide ".


Continua na próxima postagem...

Um abraço com desejo de que tenham todos excelente final de semana.



Clóvis de Guarajuba
ONG Ande&Limpe
ONG Ande & Limpe

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

- MIOLO DE PÃO - I -


                                                  Parte da capa da obra


Nasceu amarelo como ouro, e melhor sorte não teve, segundo alguns conhecedores, porque a mãe não fez a gritaria que a galinha faz quando, ao expelir o ovo, anuncia o acontecimento como se fosse a maior coisa da vida. Não veio só a este mundo. Com ele vieram seis outros irmãos que, ao crescerem, tomaram destinos ignorados.
Irmãos de raça tinha muitos pelo quintal, misturados entre as outras criações do Edgar, pai da Neuzita e marido da Maria das Dores.
Maior encanto para Neuzita não havia senão aquele minúsculo ser vivo, de irresistível atração pela água. Acompanhou o crescimento da criação, desde os tempos em que o colocava nas mãos, com cuidado para não cair das alturas, quando era amarelo como ouro, até atingir quatro quilos e meio, quando já se transformara naquilo  que Neuzita chamava:
- Terror do terreiro, meu valente pato.
Desde muito cedo Neuzita procurava ensinar artes ao pato:  
enrolava nas mãos miolo de pão e chamava o pato, que vinha dócil,

amigo e lépido. Com o pequeno bico retirava a comida da mão da menina.
Neuzita abria a cancela do quintal e gritava:
- É miolo de pão!
Estivesse onde estivesse, o pato largava tudo o que fazia, e vinha rápido buscar o que mais amava na vida: miolo de pão.
Quando era muito pequeno, Neuzita deixava primeiro o pato cheirar a massa do trigo, só depois colocava a migalha na palma da mão para ele comer.
Assim, pensava Neuzita, ensinava-o a conhecer o pão.
Como o tratava com muita atenção, Edgar dissera que o bicho ia crescer molenga demais, alvo de qualquer gavião que descesse das alturas, com sua visão de cem metros de distância.
Para evitar tal comportamento futuro, Neuzita usou de muitos truques e artimanhas. Uma delas foi despertar a atenção das outras criações, inclusive do galo brigão, e jogar entre eles sua comida preferida. Levantavam poeira do chão na disputa. Por tudo isso, o pai, ao ouvir a menina gritar " Terror do terreiro, meu valente pato ", aconselhou:
- Se fosse você, chamava o seu amigo de Miolo de Pão ".


Continua na próxima postagem...

Desejo um excelente final de semana aos meus amigos e visitantes.
Até a próxima sexta-feira.


Clóvis de Guarajuba
ONG Ande&Limpe

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

- MIOLO DE PÃO - introdução -




 
.Sou um leitor compulsivo daqueles que, em viajem e não tendo levado nenhum livro na bagagem, ficam com as horas de lazer prejudicadas, até conseguirem algo para ler. Há ocasiões em que até uma revista ou um jornal antigos resolvem a questãoNa diversidade de assuntos
abordados nos livros em geral,
destacam-se de um lado aqueles que
tratam de temas infantis - embora agradem também adolescentes e adultos -a exemplo dos imortalizados pelo gênio
de Walt Disney. Do outro lado
há os temas eminentemente adultos a
exemplo da trilogia de grande sucesso
há alguns anos - Cinquenta Tons de CinzaCinquenta Tons Mais Escuros e
Cinquenta Tons de Liberdade, de
E.L.James -. Pairando no " limbo "
compreendido entre estes dois temas,
existe uma série de obras encantadoras,
entre as quais destacam-se, a meu juízo,
O Velho e o Mar, de Ernest HemingwayO pequeno Príncipe, de Antoine de Saint Exupery e algumas outras, às quais acrescento, sem nenhuma
sombra de dúvida, a obra de autoria
de Agildo Monteiro, Miolo de Pão.
Como faço todo ano, estava em Belém
para a festa do Círio de Nazaré, no
ano passado. Aos domingos, na Praça
da República, há uma feira de
artesanato muito concorrida, onde
se vende de tudo. Como é natural, há
algumas bancas que oferecem aos
transeuntes livros usados, numa espécie
de sebo a céu aberto. 
Enquanto minhas acompanhantes circulavam a procura
de algo interessante, fiquei - como faço sempre -, pesquisando títulos e lendo as " orelhas ", o que me proporciona momentos de puro prazer. Foi assim que descobri uma verdadeira joia. Fiquei tão entusiasmado com a singeleza do texto e com o tema abordado, que resolvi publicar sua íntegra aqui no meu Blog, contando para isto com a autorização entusiástica do seu autor, que conseguiu 
nesta obra, com rara felicidade, retratar a alma do povo paraense no
ambiente festivo e emocionante da maior festa do paraense: o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Trata-se de Agildo Monteiro Cavalcante, advogado, sócio fundador da Associação Paraense de Escritores, membro do Sindicato dos Escritores - Rio de Janeiro - e da União Brasileira de Escritores - São Paulo, além de membro da Academia Paraense de Letras onde ocupa a cadeira 18. É autor de inúmeras obras tais como, A Promessa, A Verde RãUm Animal Muito Estranho, A Bordo, Os Ratos D'água; nas antologias de
Contos Paraenses, está presente com A Fuga ( aborda a violência no sul do Pará ) e Natanael Martim de Maristela ( sobre a poluição consequente do uso indevido do mercúrio nos garimpos ). Consta do programa oficial para o vestibular e para o segundo grau, do estado do Amazonas, citado como prosador contemporâneo ".  A Enciclopédia da Literatura Brasileira ( publicação do Ministério da Educação - Rio de Janeiro, sob a direção dos
críticos Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa ), além de catalogar as obras do escritor, diz que o mesmo continua " a sua pesquisa estética e social na vida ribeirinha numa linguagem ao nível das expressões regionais ".  
Resta-me agradecer penhorado a oportunidade e a honra de poder publicá-lo neste BLOG.
Muito obrigado, amigo Agildo.

Continua  na próxima postagem...

Um ótimo final de semana a todos.
Até a próxima sexta. Abraço,

Clóvis de Guarajuba
ONG Ande & Limpe