sexta-feira, 28 de julho de 2023

- A história da Professora AFONSINA - XII -


    O rio Cachoeiri hoje. Note-se o rebojo provocado pela correnteza brutal, e a erosão da margem...                                                                                           

Para que vocês entendam a gravidade da situação em que se encontrava a criança repentinamente desaparecida da ponte e que tinha, na realidade, caído no rio, é preciso esclarecer, principalmente aos leitores que não têm a felicidade de conhecer a Amazônia, que o rio Cachoeiri, às margens do qual fica a fazenda, é uma das duas únicas ligações diretas entre a calha principal do rio Amazonas e o curso do rio Trombetas, seu afluente pela margem esquerda. Conclamo-os a um exercício de raciocínio: imaginem o que significa, em volume de água, a invasão do maior rio do mundo a um riozinho que, àquela época, tinha mais ou menos uns 150 m de largura! A correnteza é brutal. As margens e o leito do Cachoeiri são arrancados pelas águas violentas do Amazonas, tornando-o cada dia mais largo e mais profundo. 
Vale lembrar que, geologicamente, o Amazonas é um rio novo
e ainda não definiu seus limites; assim, continua escavando seu leito e erodindo suas margens, transformando-os em sedimentos que, levados pela corrente, vão formar novas ilhas e bancos de areia, alhures. Por causa deste fenômeno é que, independente da qualificação profissional e\ou experiência que detenham, os comandantes de navios vindos de todo o mundo para esta região, ao chegarem à foz do Amazonas, nas proximidades de Salinópolis ( Salinas para os íntimos ), quem assume o comando desses verdadeiros " monstros ", capazes de carregar até 80.000 t de carga, é,  obrigatoriamente, um profissional local denominado " Prático ". Esta providência tem que ser tomada, porque o leito do rio é diuturnamente modificado: ora desaparecem ilhas e bancos de areia já aparentemente consolidados, ora surgem, onde pouco antes nada havia, novas ilhas, cuja detecção só pode ser percebida por quem conhece as " manhas " desse colosso ciclópico! Assim se evitam os encalhes, muitas vezes irremediáveis, das embarcações. Conheço razoavelmente esta função de comando - sou Mestre Amador pela Capitania dos Portos de Salvador - não só porque desde 1971 sempre tive lanchas de recreio e um barco de pesca baseado em Belém, no qual empreendi inúmeras viagens pelo rio, mas por ter dois tios - tio TITO ARAGÃO e tio PAULO ARAGÃO - e dois primos - ALBERTO ARAGÃO e LEONEL ARAGÃO - que exerciam as funções de Comandante e Prático da Marinha Mercante na Região Amazônica, conduzindo seus navios, não raras vezes, até a cidade de Iquitos, no Peru.
Além de tudo isto, tive o privilégio de viajar de carona em um graneleiro carregado com 50.000 t de bauxita, de Porto Trombetas até Barcarena, graças à amizade do meu irmão CLENALDO ( de saudosa memória ) com o seu comandante. Este meu irmão, à época, trabalhava na empresa Mineração Rio do Norte, desde a chegada desta mineradora ao Rio Trombetas.
Durante esta viagem, tive oportunidade de conhecer a sala de máquinas ( impressionante ) e a sala de comando e constatei que, não obstante toda a parafernália eletrônica, a presença de um profissional da região - o chamado PRÁTICO - é imprescindível no seu comando.
Mas, depois desta necessária explicação, voltemos ao menino que caiu no rio...

       
Continua na próxima sexta-feira.

Bom fim de semana a todos.


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sexta-feira, 21 de julho de 2023

- A história da Professora AFONSINA XI


Ponte semelhante à descrita no artigo, construída por mim às margens da lagoa, em minha chácara, lá em Guarajuba - Ba.

E a vida seguia normalmente, quando, no final do ano de 1941, veio a transferência do Dr. Bruzza para outra cidade, desta vez, Catanduva, no interior de São Paulo.
 Logo que chegou à cidade, o Dr. Bruzza, entendendo que sua mulher,  vinda da Capital, precisaria de alguma atividade para quebrar a monotonia própria da vida em uma cidade do interior da Amazônia, tratou de abrir, em seu nome, uma farmácia, não apenas útil para sua mulher mas, principalmente, para a população local, carente de recursos terapêuticos.
E, antes de viajar para o novo destino, acertou a venda do estabelecimento para o amigo - e agora concunhado - FRANCISCO, chamado por todos de CHICO MARTINS. Mais uma atividade exigindo a presença do já sobrecarregado FRANCISCO. AFONSINA, então, passou a dividir os afazeres domésticos com o atendimento na farmácia, uma vez que o casal resolvera deixar provisoriamente, a casa da praça da Matriz, para morar nas dependências amplas do prédio onde funcionava a farmácia recém adquirida.
Logo no início do ano de 1942, a morte levara seu amigo, protetor e patrão, JOSÉ CLEMENTINO DE FIGUEIREDO. Como seu antigo sogro havia comprado a pequena fazenda do Cachoeiri em nome de sua filha caçula, LAURINDA, quando ela morreu a propriedade passou a pertencer aos meeiros, seu filho JOSÉ e seu esposo FRANCISCO.
Pretendendo ampliar os negócios da fazenda, FRANCISCO adquiriu algumas cabeças de gado, ampliando o plantel já existente, além de dois cavalos que o vaqueiro, seu Alfredo, que já trabalhava na fazenda, usaria para a labuta com o gado.
O casal, FRANCISCO e AFONSINA, passou a frequentar com mais assiduidade a propriedade, embora as viagens de canoa a remo demandassem grande esforço do Alfredo, que vinha do Cachoeiri até a cidade buscar o casal com seu filhinho, além de víveres e insumos. Já grávida pela segunda vez, numa dessas estadas lá na fazenda, aconteceu uma quase tragédia envolvendo o menino, ou seja, EU: É preciso esclarecer que, naquele tempo, nem na cidade havia água encanada, muito menos nas sedes das fazendas ou nas casas dos ribeirinhos. As atividades relacionadas com água, eram desenvolvidas nas margens dos rios. Para tal mister, construíam-se pequenas pontes de madeira projetadas sobre o rio, geralmente na frente das casas ou sede das fazendas. Ali, tomava-se banho de cuia e lavavam-se roupas, louças, panelas e outros utensílios. Em determinada tarde de temperatura elevada, o casal desceu para o banho levando o menino, isto é, - EU - que, a esta altura, deveria ter uns oito/nove meses de idade. Por infeliz coincidência, o casal formado pelo vaqueiro Alfredo e D. Dira, sua mulher - agora transformada em minha babá, durante a estada na fazenda - tivera a necessidade de visitar um parente ou amigo, chamado Manoel Gualberto que estava doente e morava rio acima. Os dois embarcaram na " montaria " * e lá se foram para o compromisso.  Ao chegar à beira do rio, o casal - meus pais - colocou a criança sobre a ponte e entrou na água para tomar banho. Devem ter se distraído por um momento e quando AFONSINA olhou para onde haviam deixado o menino, ele já não mais lá se encontrava!...


* montaria - designação genérica de pequenas canoas movidas a remo que os habitantes do Baixo Amazonas usam nos seus breves deslocamentos, talvez por comparar a pequena embarcação com os animais de monta, também usados em pequenos deslocamentos, só que em terra.


Continua na próxima sexta-feira...

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sexta-feira, 14 de julho de 2023

A história da professora AFONSINA - X -






                                                                 - Imagem Internet -


                                                                      - Imagem Internet -


Bem diferente do casamento de LAURINDA e FRANCISCO, a cerimônia do enlace de AFONSINA e FRANCISCO transcorreu sem muita pompa, não somente pelo fato de a maior parte da família da noiva ser originária da capital, Belém e não se encontrar na cidade, como pela razão totalmente compreensível, evidenciada pelo pouco 
- para a época - tempo decorrido desde a morte  da  D. LAURINDA.
 Vale a explicação que, naquele tempo, o luto era demonstrado acintosa e pesarosamente, com o uso de roupas pretas durante os primeiros 6 meses após a morte do cônjuge ou parente mais próximo, pelos homens e durante um ano pelas mulheres. Aos homens, a partir do sexto mês , era " permitido " o uso de uma tarja confeccionada com tecido preto, chamado popularmente de " fumo ", ostentada geralmente no bolso da camisa, à altura do peito esquerdo.
Ainda assim, foi uma festa bonita para os padrões da época.
E logo veio a primeira gravidez! Menina embora, AFONSINA não demonstrou sentir nenhuma anormalidade das que costumam acometer às grávidas, principalmente no início do processo. Enquanto a gravidez transcorria dentro dos padrões, a jovem - agora, repentinamente, transformada em " dona de casa " - passou a dedicar-se totalmente aos encargos inerentes à nova realidade. Mas ela não se limitou a cumprir suas tarefas caseiras, no início de maneira mais ou menos eficiente devido à pouca idade. Como tinha um talento inato para a pintura e muita perícia em trabalhos manuais, aproximou-se naturalmente das pessoas da comunidade que tinham dons afins. Assim é que se tornou amiga e aluna de D. Dalila, doceira de
 " mancheia " que além de vizinha, era a irmã mais velha da falecida LAURINDA, primeira mulher do FRANCISCO, agora seu esposo.
 Dona DALILA era tão boa na arte de fazer e decorar doces e principalmente bolos confeitados, que alguém criou uma paródia, baseada numa marchinha de carnaval de sucesso na época, que dizia:
 "Ah! quem me dera Dalila, Dalila que eu fosse o Sansão! os teus encantos Dalila, de Sansão foi sua perdição...".
 e a paródia criada ficou assim:
 " Ah! quem me dera DALILA, se eu fosse o MARCOS TEIXEIRA, eu te pegava DALILA e te mandava pra " Palmeira..." .
  MARCOS TEIXEIRA - Juiz de Paz da cidade - era esposo da D. DALILA  e " Palmeira "  era uma famosa e prestigiada fábrica de doces e biscoitos localizada em Belém.
 Esta aproximação se deu, também, com D.LAURA DINIZ - chamada carinhosamente de D. LAURINHA - que promovia principalmente espetáculos teatrais, produzindo e encenando, como diretora, peças infantis tais como Branca de Neve e os Sete Anões e outras.
E a gravidez, sem nenhuma intercorrência, chegou ao seu clímax às 6 h da manhã do dia 18 de outubro do ano de 1941. Nascia, neste dia, o primogênito, com o auxilio das mãos experientes e competentes de Dona Lucila, desta vez sob a supervisão profissional do cunhado da parturiente, Dr. BRUZZA. E o recém- nascido, menino saudável e robusto, inundou de alegria aquele lar improvável, devido à brutal diferença de idade entre o casal. Nome escolhido, logo se providenciou o Batizado do bebê. Chamar-se-ia CLÓVIS e teve como padrinhos de Batismo o casal JOSÉ DINIZ e sua esposa, D. LAURINHA DINIZ.
 O sacramento foi ministrado pelo Frei PROTÁZIO, pároco local, em frente ao altar mor da igreja de Santo Antônio, uma joia em madeira de lei, arte inigualável, hoje inexistente, vítima da sanha destruidora e ignorante de um padre alemão, chamado  Fortunato Lamprecht, de triste memória.
 Até hoje não entendo porque a comunidade oriximinaense permitiu que um energúmeno, interpretando de maneira errônea a Encíclica Papal, saído não sei de que buraco, transformasse a madeira do altar sagrado - dizem alguns cidadãos locais - até em lenha para fogueira!...

                                                         
Continua na próxima sexta-feira...
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sexta-feira, 7 de julho de 2023

A história da professora AFONSINA - IX -


                                                        -  Imagem Internet



A família de D. CARMEM era composta por ela - viúva de LEONEL XIMENES DE ARAGÃO - e sete filhos cujos nomes, cronologicamente, passo a declinar: MARIA RITA, TITO LEONEL, ODALÉA CARMEM, JOÃO GUALBERTO, RAIMUNDO VITORIANO, AFONSINA ELINDA e PAULO DE TARSO, todos nascidos em Belém e alguns já casados. A família morava na casa da rua Boaventura da Silva, entre as travessa Nove de Janeiro e Vinte e Dois de Junho ( atual Alcindo Cacela ).
 Ao chegar de volta à Belém de sua viagem à Oriximiná, D. Carmem, sem perda de tempo e por recomendação expressa da MARIA RITA, tratou de comunicar à sua única filha ainda solteira, AFONSINA, de apenas 16 anos, que deveria preparar-se porque iria se casar com um senhor viúvo, cujo nome era FRANCISCO, " lá na cidade onde mora a sua irmã mais velha!..."
Cabe explicar, a esta altura, que as mulheres de então não tinham liberdade para escolher a quem desposar. Na maioria das vezes eram os pais que determinavam quando e com quem se casariam. É inimaginável tal procedimento nos dias de hoje, daí a explicação.
Embora ainda por concluir o curso na Escola Normal do Estado do Pará, AFONSINA, obediente como as jovens o eram naquele tempo, sob a orientação da mãe, tomou todas as providências necessárias ao seu deslocamento para o destino que lhe fora comunicado há pouco, para ela totalmente desconhecido. O enxoval, incluindo o vestido de noiva, foi providenciado em Belém onde havia maior facilidade de ser confeccionado. Um ano se passara desde que a primeira esposa de FRANCISCO, D. LAURINDA, havia falecido, quando, lá pela segunda quinzena do mês de novembro de 1940, chegaram à Oriximiná, pelo mesmo navio, o " Barão de Cametá ", D. Carmem e sua filha AFONSINA.
 A esta altura, a cidade toda já tomara conhecimento de que aquela jovem seria oficialmente declarada noiva do Sr. FRANCISCO, assim que ele cumprisse as formalidades, pedindo sua mão em casamento perante a mãe da jovem e sua irmã mais velha. A notícia da próxima chegada da moça à cidade e da finalidade a que se destinava, fora metodicamente comunicada à sociedade local pela diligente e firme iniciativa da MARIA RITA. E o FRANCISCO, demonstrando irresistível atração pela recém chegada - jovem, bonita, esbelta e elegante ( ela somente começaria a engordar a partir da segunda  gravidez ) - não tardou a cumprir o ritual do pedido de casamento perante a parte da família da jovem presente na cidade. Desta vez, porém, na mesma ocasião da  cerimônia do pedido de casamento, foi anunciado pelo noivo que o enlace se daria logo no mês de fevereiro do ano seguinte, isto é, 1941. Faltava apenas determinar o dia, que dependeria, naturalmente, do cumprimento dos trâmites legais e da agenda do pároco. Finalmente, passadas as festas de fim de ano, ficou  decidido que a cerimônia nupcial seria realizada no dia 13 de fevereiro de 1941. Aliás, o dia 13 começava a marcar algumas datas importantes da vida da noiva: ela nasceu no dia 13 de janeiro de 1924 e agora casaria no dia 13 de fevereiro de 1941...

                                                                       
Continua na próxima sexta-feira...
Bom fim de semana a todos.


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