sexta-feira, 25 de agosto de 2023

A história da Professora AFONSINA - final -

                            A Professora AFONSINA, à época de sua passagem por Oriximiná.


Para encerrar com chave de ouro a magnífica e resumida história da Professora AFONSINA em sua passagem marcante pela cidade de Oriximiná, passo a narrar, de maneira também sucinta, um episódio tão ou mais marcante do que aquele do lançamento da semente da
 " merenda escolar ", protagonizado pela notável mulher que, pra meu orgulho, me gerou:
Preciso dizer que quis o destino trazer para dirigir os trabalhos da Escola de Educação Infantil Professora AFONSINA ELINDA ARAGÃO DE SOUZA, uma mestra igualmente abnegada e caprichosa, a Professora LEILEUNICE WANZELLER, cuja dedicação e competência tornaram a Escola um exemplo de eficiência e profissionalismo. Pois bem, o episódio que passo a narrar - vejam só que feliz coincidência - me foi comunicado por ela, a Diretora, tendo como sua fonte de informação, ninguém menos que sua própria mãe!
Há uma família que vive na cidade desde a metade do século passado, sendo que muitos de seus membros são cidadãos e cidadãs de destaque na sociedade local, ainda hoje. Pois bem, lá pelo final da década de 1940 e inicio de 1950, adoeceu gravemente uma das filhas do casal, cabeça desta família. Doença grave e não diagnosticada à  época, passou a ser tratada com medicamentos tradicionais e até com plantas medicinais, amplamente usadas com eficácia em muitos e muitos casos de enfermidade. Infelizmente, a tal doença misteriosa não cedeu e levou a pequena e desditosa vítima a óbito. Pode-se imaginar facilmente o sofrimento que acometeu à família enlutada que, compreensivelmente, ficou por algum tempo desnorteada e sem poder raciocinar com clareza. Foi aí que apareceu a clarividência da Professora AFONSINA, uma das colaboradoras no ingente mas  frustrado esforço para salvar a vida da menina. Como ninguém sabia de que moléstia a vítima fora acometida, D. AFONSINA sugeriu a transferência de todos os membros da família para a sua própria casa
 - o que foi aceito prontamente e com muita gratidão - enquanto, sob seu comando, se providenciava a desinfecção completa e à exaustão, da casa da família, o que durou por volta de uma semana, finda a qual, pode a família retornar ao lar, sem risco de uma possível contaminação pelos agentes patológicos desconhecidos e possivelmente remanescentes no ambiente da casa, de evidente perigo, desde que não fossem erradicados.
Ora, meus amigos e leitores, como não se orgulhar de uma mulher dessa têmpera !
Somos, meus irmãos e eu, pessoas privilegiadas e orgulhosas de nossa mãe, heroína e mulher de iniciativas e ações muito à frente do seu tempo!!!
Sempre enalteceremos seus feitos, tendo toda a certeza que ela não teve uma passagem em branco pela sua vida e nem pela vida da cidade que a acolheu como se sua filha fosse!

Bom fim de semana.
Até a próxima sexta-feira.


Clóvis de Guarajuba
ONG Ande&Limpe







sexta-feira, 18 de agosto de 2023

- A história da Professora AFONSINA - XV -


Eu e meu irmão CLÉO, posando orgulhosamente na frente da Escola
PROFESSORA AFONSINA ARAGÃO, no dia de sua inauguração.




A " Turma da Fome ",
 como é evidente, foi
assim designada, como já mencionei, porque
 seu funcionamento
abrangia a chamada
" hora do almoço ".
 Tal apelido era um estigma repetido pejorativamente pelos alunos que frequentavam as aulas nas turmas consideradas " normais ",  isto é, as dos horários  matutino e vespertino.
É evidente que tal circunstância  gerava grande consternação e constrangimento em todos os alunos e, principalmente, nos professores, destacando-se, por motivos óbvios, na Professora AFONSINA, responsável pela turma.
De tal fato eu não tinha nenhum conhecimento, até que no ano de 2011, quando fui passar a " Festa de Agosto " lá em Oriximiná - o lindo e famoso Círio Fluvial - em determinada noite, no arraial da Praça  da Matriz, conversando com alguns conhecidos, me foi contada toda a história desta turma intermediária, por alguém que participou da mesma. Contou-me ele - hoje um respeitável e importante membro da sociedade local - que a sua Professora, D. AFONSINA, em determinado dia, chegou ao Grupo trazendo para a sala de aula, com a ajuda do meu irmão DEZIZÉ, algumas latas de leite Ninho que foram colocadas sobre a mesa. Todos ficaram naturalmente curiosos e esperavam ter uma explicação para o ato inusitado da Mestra. Ela nada disse, até que chegou a hora do intervalo. Só então explicou aos alunos que resolvera trazer-lhes uma 
" merenda " e, incontinente, passou a distribuir com todos. Feita a devida fila, encarregou alguém da turma para proceder à distribuição do alimento, sob sua atenta supervisão. Ou seja, numa época em que sequer se cogitava em merenda escolar, a Professora AFONSINA, sob suas expensas, instituiu algo que certamente evitou a evasão escolar que, embora pequena naquela época, sempre ocorria por necessidades extremas e carências de alguns alunos. E, a partir desse dia, a tal assim chamada " turma da fome ", passou a ser cobiçada pelos outros alunos, que, por serem carentes, não se alimentavam do necessário em suas próprias casas. Claro que esta narrativa, feita com a mais absoluta isenção, me provocou uma emoção tal, que acabei por perder a voz e chorando, abracei de maneira efusiva o narrador, dizendo-lhe   que aquele fato aumentava significativamente em mim, o já imensurável orgulho e admiração que tenho, por ter sido gerado por alguém tão especial!
Lamentavelmente, foi preciso que uma ex-aluna da Professora AFONSINA, a ilustre Professora Doutora HILDA VIANA, assumisse a Secretaria de Educação do Município de Oriximiná, para que houvesse o reconhecimento dos méritos e das iniciativas filantrópicas e pioneiras da Professora AFONSINA, consubstanciado na inauguração de uma escola modelo com o nome da ilustre Mestra. Para minha imensa emoção e orgulho, fui destacado, na condição de seu filho mais velho ainda vivo, para representar a família da homenageada, o que fiz na companhia de meu querido irmão CLÉO AFONSO ARAGÃO DE SOUZA, certamente tomado por um orgulho e uma emoção igualmente indescritíveis!
Sou mesmo um privilegiado porque poucas pessoas têm na família DOIS IMORTAIS: Um irmão, membro da Academia Paraense de Letras - JOSÉ FIGUEIREDO DE SOUZA e minha mãe, imortalizada no nome de uma escola - AFONSINA ELINDA ARAGÃO DE SOUZA!!!

Em tempo: eu próprio acabo de ser também imortalizado através da publicação de um comentário que fiz, sem nenhuma pretensão, sobre uma das obras - Miolo de Pão - do grande escritor e membro da Academia Paraense de Letras, AGILDO MONTEIRO CAVALCANTE. O generoso escritor e acadêmico, usou meus comentários para compor a contracapa de seu mais novo livro, o recém lançado, " A LUZ MISTERIOSA ".                                                                  

                                                                 
Bom final de semana a todos e
até a próxima sexta.


Clóvis de Guarajuba
ONG Ande&Limpe

  

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

- A história da Professora AFONSINA - XIV -


                            Neste prédio funcionava o Grupo Escolar Padre José Nicolino.
                                                        - Foto de Edilberto Guerreiro -


Lá por volta do ano de 1950, apesar de já cheia de afazeres, AFONSINA começou a ensinar ( já de volta à casa da praça da Matriz ), às crianças e jovens da redondeza que a procuravam se queixando de dificuldades no aprendizado regular ministrado no Grupo Escolar Padre José Nicolino, então, o único estabelecimento de ensino da cidade. Como também não cobrava da maioria dos alunos que eram carentes, era natural que, ao tomarem conhecimento do fato, as mães de outros alunos passassem a apresentar seus filhos, igualmente com dificuldades de aprendizado, solicitando à Professora AFONSINA permissão para frequentarem às aulas por ela ministradas na sua própria residência. Cobrava, porém, dos pais de crianças que tinham capacidade financeira, do que é exemplo o meu querido amigo de infância, hoje ainda vivo e saudável´, JOÃO FERRARI.
 Daí até ser convidada para lecionar no " Grupo ", foi um pulo; logo começava a carreira " oficial " da professora que, tão generosamente, transferia conhecimentos para tantas crianças e jovens - o DEZIZÉ, eu e o CLÉBER, inclusive - de maneira espontânea e eficiente.
Assim se iniciou  a nobre tarefa da AFONSINA Professora, que consistia em repassar seus conhecimentos didáticos e, principalmente de vida em sociedade e em família, para a juventude, futuro desta mesma sociedade.
Transcorreu aproximadamente um ano, até se descobrir que a população da cidade em idade escolar aumentara de maneira surpreendente. O que fazer para absorver tal população, se o espaço físico não acompanhou este crescimento, já que não se construíram outros estabelecimentos de ensino? Uma reunião do corpo docente decidiu que, emergencialmente, criar-se-ia um terceiro turno de aulas que, por não haver energia elétrica contínua e eficiente, não poderia acontecer à noite. Logo surgiu a ideia de implementar-se este novo turno no horário de 10,00 às 14,00 h. Decisão tomada, passou-se a procurar a professora que tomaria conta desta nova turma, constituída pelos alunos que superlotavam as salas de aula das séries mais concorridas. Uma reunião foi convocada para discutir e determinar qual das Mestras ficaria encarregada de conduzir a nova turma. Foram inquiridas todas as professoras presentes e nenhuma se apresentou voluntariamente para tal mister. Sob as mais variadas alegações, que iam desde à necessidade de afazeres domésticos até a outros compromissos assumidos para aquele horário, uma a uma das presentes declinou de assumir aquela tarefa. Foi quando a Professora AFONSINA, entendendo que nada seria resolvido sem a confirmação de uma delas para executar tal serviço, se apresentou como voluntária e foi imediata e entusiasticamente " aclamada "  pelas presentes.
 Diga-se de passagem, que tarefas domésticas não faltavam para quem, àquela altura, já tinha filhos e o marido para cuidar, além de continuar a prestar serviços à comunidade na área farmacêutica!
 Logo, logo, a tal turma intermediária, passou a ser estigmatizada pelos outros alunos componentes das turmas consideradas normais,  cujo funcionamento se verificava nos horários matutino e vespertino. O estigma se materializou no  nome conferido pelos colegas à turma intermediária: " Turma da Fome ". Tal cognome - conferido à turma por ter suas atividades exercidas no período em que os outros estudantes iam almoçar - originou uma atitude inusitada da Professora AFONSINA que, por seu significado, estará em destaque na próxima  postagem...

                                                                   

Até a próxima sexta-feira.

Bom fim de semana a todos.


Clóvis de Guarajuba
ONG Ande&Limpe

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

- A história da Professora AFONSINA - XIII -



            Meu Pai, CHICO MARTINS, na farmácia de sua propriedade aonde
             minha mãe AFONSINA o ajudava, lá trabalhando por muitos anos.
         ( desculpem pela qualidade da foto; é a única que tenho daquela época ).



Como já dito, foi minha mãe que descobriu horrorizada, que já não mais me encontrava sobre a ponte. Gritou a plenos pulmões, chamando a atenção do meu pai que, incontinente, subiu na ponte e, sem ter a mínima noção de para que lado eu havia caído, se jogou às cegas e, para minha felicidade, me encontrou preso de encontro ao caule de algumas canaranas*, vegetal muito comum naquelas plagas. Paradoxalmente, foi a correnteza violenta do rio que me salvou: é que sob sua pressão, fiquei preso de encontro a vegetação. Foi por puro acaso e sorte que meu pai me encontrou, pois as águas do Cachoeiri são de tal modo carregadas de matéria em suspensão, que é absolutamente impossível enxergar alguma coisa quando nelas mergulhamos. Fui resgatado aparentemente morto. No desespero que se seguiu ao resgate, fui sacudido violenta e sucessivamente por meu pai e minha mãe, até que, após alguns segundos, voltei a respirar, para alivio e felicidade dos dois e principalmente para minha felicidade...Nunca mais descuidaram de mim e D. Dira foi advertida para não me perder de vista jamais!
A segunda gravidez da AFONSINA não teve sucesso. Nascido prematuro, aquele que se chamaria CLODOALDO, não conseguiu sobreviver. Assim, o segundo filho vivo seria o CLÉBERnascido em 11 de março de 1943. Infelizmente já o perdemos num desastre de veículo ocorrido em 09 de abril de 2006, mercê do trânsito louco e inconsequente dos nossos dias. Aproveito, então, esta passagem da narrativa, para declinar, em ordem cronológica, um por um, todos os filhos da Professora AFONSINA; não perca as contas: CLÓVIS ( o autor ), nascido em 18.10.1941; CLÉBER, nascido em 11.03.1943
 ( já falecido );  em 11 de outubro de 1945, nasceu o CLENALDO FRANCISCO ( já falecido );; em 18 de dezembro de 1948, nasceu o CARLOS LEONEL; em 14 de janeiro de 1954, nascia o CLÉO AFONSO; em 02 de março de 1955, finalmente nascia a tão esperada primeira filha, CLEMENS MARIA; e aí só viriam mais duas filhas: a CLEIDE MARIA, nascida em 16 de novembro de 1956 e a CLEISY RITA, a caçula, nascida em 24 de abril de 1959.
 É necessário dizer que, além dos filhos e filhas já citados, a Professora AFONSINA e o CHICO MARTINS, seu esposo, acolheram, prazerosamente no seio da família, ainda criança, o DEZIZÉ que consideravam também um filho e que nós
aprendemos a amar como um irmão mais velho. Infelizmente o perdemos, em 19 de outubro de 1999, para um problema cardíaco que o acometeu, quando tinha apenas 68 anos, não resistindo às complicações advindas da cirurgia a que foi submetido.
Com o trabalho diuturno desenvolvido na farmácia, AFONSINA passou a adquirir conhecimentos tais que, além de inúmeras vezes tratar com sucesso muitas pessoas da comunidade - principalmente dos mais carentes e interioranos - frequentemente acidentados no trabalho, passou a elaborar fórmulas muito eficazes no tratamento de
problemas de pele, tais como eczemas, pano-branco e outros, além de xaropes feitos  com a utilização de ingredientes naturais da flora da região, muito eficazes principalmente no tratamento  de problemas respiratórios. Cobrar algo pelos serviços, só de quem tinha condições.
 A maioria das vezes, mesmo sem cobrar, era " presenteada " com produtos advindos do trabalho daquelas pessoas simples, geralmente peixe, leite de vaca, queijos artesanais,  pirarucu seco ou salgado, tartaruga, tracajá, " piracuí "* e outros itens que tais.
Seus conhecimentos farmacêuticos se tornaram  tão vastos que lhe foi concedida a inscrição no Conselho Estadual de Farmácia do Estado do Pará, cujas anuidades  pagou religiosamente até seu lamentável e precoce desaparecimento...                                                                          

* canarana - gramínea gigante originária da Amazônia, que tem seu habitat nas margens  dos rios. Seu nome é derivado do Latim 
" cana ", referente ao talo das gramíneas e do  Tupi " rana ", que quer dizer " parecido ".

* piracuí - método usado na região para conservação de pescados, que consiste na sua transformação em farinha, depois de completamente desidratados.

Continua na próxima sexa-feira.

Bom fim de semana a todos.


Clóvis de Guarajuba
NG Ande&Limpe