sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

- MIOLO DE PÃO - VII -





" Como a massa às vezes ficava redonda como uma bola, o pato nunca tinha visto um miolo de pão tão grande, por isso saiu andando às pressas, um passo lá e outro cá, e voou em cima da massa de pasteis às bicadas. A vendedora quase desmaiou com a inesperada e violenta agressão, enquanto o pato saboreava o que podia, ao
mesmo tempo que aproveitou para uma descarregada pelo traseiro..
Enquanto o barraqueiro vizinho tentava ajudar a vendedora, o pato, saciada a fome, desceu e voltou para o seu lugar primitivo. O bêbado nada percebeu e, pelo excesso de cerveja, dava cabeçadas no vazio o sono chegando aos poucos.
Embora entre uma cabeçada e outra no vazio a Transladação tenha passado, o homem ainda via os repetidos fogos de artifício, e ouvia, compassado e agradável, o badalar dos sinos da Basílica de Nossa Senhora de Nazaré.
Quis chamar a garçonete, mas seu gesto se perdeu naquele aglomerado de pessoas..  " Pagar a conta e ir pra casa ", pensou. Olhou para o pato que já estava quieto dentro do paneiro. Pensou mais ainda. Não tinha coragem de enfrentar sua mulher, em casa. Desde setembro de mil novecentos e noventa, com as primeiras
levas dos dez mil invasores, chegara às margens do igarapé do TucundubaParticipara da invasão Riacho Doce. Todos diziam que era doce o Tucundubaque hoje  é uma sujeira de meter medo. 
A mulher era por demais rabugenta, burra e pessimista. Vivia a falar contra o Tucunduba.
- Ele vai transbordar! Quem falou foi a doutora Vera, e, quando
transbordar, vai levar todas as nossas casas...
Ao lado do sanitário ficava a cozinha, e a mulher jogava uma lata amarrada por uma corda para puxar água. Quando estava para discutir, o bêbado dizia:
- Poluído nada! As crianças andam de canoa e tomam banho.
Dagoberto era o bêbado. Esperava todas as tardes que, pelo menos uma vez só, a mulher chamasse carinhosamente pelas duas primeiras sílabas do seu nome, acrescentando um assento agudo ou circunflexo, para ele melhor olhar a vida. Quando amanhecia e via a mulher olhando o igarapé passar, segurando o balde para puxar água, costumava  brincar alegremente. Olhava o igarapé e dizia:
- Bom dia, Flor do dia! "

Continua na próxima postagem...

Desejo a todos os meus amigos um excelente fim de semana.
Abraço,


Clóvis de Guarajuba
ONG Ande & Limpe

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